Palmeiras, Libertadores, Estilo e Obsessão.


A pergunta, que já ouvi diferentes vezes em diferentes bares, é do meu parceiro de Periquitão Paulo Júnior, o Possesso. Olha, é um bom exercício. Luxa chega em 93 e se despede em 2007. O Corinthians de 98, o Cruzeiro de 2003 , a Seleção de 99, o Santos de 2004, nada disso existe. Uma década e meia de um treinador com personalidade, estilo, fiel a um jeito de jogar perdendo ou ganhando. Você tem a resposta?

A manobra palmeirense de abandonar a arte com os lactodólares italianos após 96, apostando na estética bruta felipônica em nome de uma obsessão, foi ousada. É festejada pela massa porque deu certo. No país da impermanência, durou incríveis quatro anos de pirraça. No clube das Academias detectadas de longe pelo estilo tão quanto pela cor da camisa, deixou notável herança que às vezes parece sequela. A gente tem vergonha de discutir um caráter, uma postura futebolística.

Discutamos, pois.

Gareca e Cuca

Sou dos maiores críticos de Ricardo Gareca em seu tempo de clube, mas ninguém pode negar sua firmeza de intenções. Sua passagem pelo Palmeiras resultaria em rebaixamento por um motivo: fidelidade ao estilo. El Tigre não transigiu em sua forma de idealizar um time grande mesmo quando percebeu a fraqueza do elenco que tinha. Não abriu mão das palavras que a teoria assoprava sedutora em seu ouvido. 

Topou perder o jogo, mas não perdeu o gênero. Poderia ser redentor noutras épocas, mas foi contratado para cuidar de um péssimo elenco, "reforçado" por Cristaldo, Allione e Mouche, Os Três Inacreditáveis. 

Cuca, o ruído dominical na Turiassú, o burburinho oficial da torcida depois do jogo, montou, em 2013, um vencedor Atlético-MG cujos destaques eram um atacante baixo e veloz (opa, temos Dudu), os escanteios para o zagueiro artilheiro (opa, temos Vitor Hugo) e os balões para o Jô disputar (nosso expediente preferido atual). 

De modo que se você desejou Cuca por alguns segundos, você confessou que o seu problema não é com o balão e o jogo feio. Seu problema é com a derrota. Cuca - e aquele Galo - são, claro, mais que este reducionismo simplista de um time campeão, mas a essência e o estilo têm familiaridades claras.

Do que se trata, afinal? De dar certo de qualquer jeito? Perder como Palmeiras ou ganhar como qualquer time ganharia? Eu sei, a discussão filosófica pode ser ampla e inconclusiva em tempos de tanta objetividade idiota, mas que tal pedir um Palmeiras bem resolvido com seu jeito de jogar, mesmo nas derrotas?

Para ser severo e pegar o maior dos exemplos, o Barcelona apanhou nos últimos anos, tomou de quatro em casa em Copa dos Campeões, mas nada abala ou põe em dúvida o estilo de jogo pretendido. Vai perder assim, vai ganhar assim. 

Obsessão?

eu também gosto
de permissividade,
garotada
mas, aqui entre nós,
e na alminha,
não vai nada?


Tropecei dia destes com esta pensata poética do Millôr Fernandes e, sim, a ligo ao Palmeiras de hoje.

Pois eu também morro de vontade de ganhar a Libertadores, e só de imaginar já consigo sentir o hálito da ressaca do dia seguinte. Puxa vida, que delícia será, mas não é deste tipo de obsessão que se faz um Palmeiras orgânico e vivo.

Foi o final de semana que vi os Rolling Stones. Nunca me esquecerei de nada. Estarei velhinho e me lembrarei que no dia seguinte ao show, de ressaca, fui ao estádio ver meu time dar bico pra todo lado, se borrar de medo da Ferroviária como se os troféus estivessem novamente em perigo, mostrar um futebol burro, pobre, ogro, mandrião, desapaixonado, tedioso, sem nenhuma preocupação harmônica, estética, em campo apenas pra ganhar sem pensar em nada e sem saber como ou porquê. Já ganhamos uma Libertadores na força bruta, na marra, no muque, com muitos dólares nas mãos e, sim, qualidade técnica no campo e no banco. Como ganharemos a segunda? A discussão sobre o estilo de jogo é simbolicamente a discussão sobre a alma do time, forjada em tempos sem Youtube e consagrada nas duas Academias - a segunda, por sinal, vice-campeã da Libertadores sem tratá-la como obsessão. 

Obsessão, pra mim, são os curtos períodos da vida em que meu time joga um futebol comprometido, articulado, próprio, capaz de me motivar e seduzir. Tenho obsessão de sair do estádio cheio de ideias, tentando captar todo o repertório de jogadas e movimentações, convicto de que o meu técnico sabe muito mais de bola que eu. Minha obsessão é notar que, em campo, os caras entenderam aquilo que não se explica sobre um time e que gostam mesmo de jogar juntos, de pegar ônibus juntos, de dividir vestiário e hotel e grande parte de seus dias.

Independente da competição.
Fonte: ESPN FC

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